A
cultura brasileira está mais pobre
Gerson
Tavares
Hoje resolvi mudar o
rumo da nossa prosa. Depois de sentir que o final de semana retrasada deu início a um
período de despedidas de grandes nomes da nossa cultura, senti que hora de
prestar minha homenagem aos velhos e bons companheiros.
Já no sábado, dia 17 de
março, o “Homem lá de cima” resolveu chamar um cantor que foi considerado por todos, em toda uma carreira, como o “Rei do Rádio”. Outros vieram e passaram, mas ele
permaneceu o “Rei do Rádio”. Ele foi um dos principais nomes da chamada "Era do
Rádio", na década de 1950. Estou falando do grande cantor Jorge Goulart, que morreu aos 86 anos e foi sepultado no dia seguinte, domingo,
sem nenhum alarde no Cemitério da Saudade, lá na Zona Oeste do Rio. Sem nenhum alarde assim como foi
a sua vida depois que retornou ao Brasil após a abertura com a anistia aos
refugiados de 1964. Goulart fez sucesso na Rádio Nacional ao lançar marchinhas
de carnaval que até hoje são cantaroladas pela população. Entre tantas ele gravou "Não faz marola" e ainda "Cabeleira do Zezé", de João Roberto Kelly, e que até hoje é sucesso nos carnavais. Sua primeira gravação foi uma música assinada por Ari Barroso e Fernando Lobo, "Xangô". Foi ele também o primeiro
intérprete do clássico “A voz do Morro”, de Zé Keti, cuja letra traz o refrão “eu sou o
samba, a voz do morro sou eu mesmo sim senhor, quero mostrar ao mundo que tenho
valor, eu sou o rei do terreiro”. No cinema, participou de "Rio 40º" de Nelson Pereira dos Santos e "Aviso aos navegantes" de Watson Macedo.
Mas como a vida sempre
mostra que os percalços são para todos, Jorge Goulart e sua esposa, a também
excelente cantora Nora Ney, já falecida também no esquecimento, comunistas
convictos e que eram artistas contratados da Rádio Nacional do Rio de Janeiro,
quando da revolução de 64, foram “dedurados” por um colega de emissora, logo
depois de consumado o governo militar. O casal foi preso e então escolheu por
morar em Moscou e lá continuaram suas vidas artísticas e só voltaram ao Brasil
depois da anistia. Logo depois, em 1983, Jorge teve um câncer na garganta, o
que fez com que ele ficasse impedido de cantar.
Mas este foi só o início de nossas perdas. Na sexta-feira, dia 23
de março, foi a vez do grande ator, compositor, autor teatral, escritor e
outras facetas mais, Francisco Anízio de Oliveira Paula, ou simplesmente
Francisco Anízio, se despedir e sair de cena. Chico foi um personagem para mais
de 200 pessoas em cena e parece que o “Homem lá de cima”, quando pegou a ficha
dele, lembrou que a área artística pode colaborar com a alegria lá do céu.
Mas o arquivo ainda
estava aberto e ele só estava começando a busca da lista de subida. E outras
personalidades da nossa cultura estavam na lista do “Homem que manda”. Foi
então que na terça-feira, em plena noite do dia 27 ele resolveu puxar a lista e
dali tirou mais dois nomes.
Assim como Goulart é o
eterno “Rei do Rádio”, a “Rainha do Chorinho” também não teve substituta e na
quinta-feira à noite Ademilde Fonseca sentiu que era chegada a sua hora de sair
de cena. Com 91 anos e sofrendo de problemas cardíacos, a cantora potiguar, de
São Gonçalo do Amarante, nos deixou e deixando também muita saudade. E como sempre, mas uma que se foi sem que o regional tocasse um chorinho, ou o grande clássico "Tico-tico no fubá", de Zequinha de Abreu.
Mas Deus ainda não
estava satisfeito e queria mais um grande nome para seu elenco celestial. Então puxou a
ficha do jornalista, escritor e desenhista e dramaturgo de destaque, Millôr
Fernandes. Millôr morreu em sua casa na noite de terça-feira, no Rio de
Janeiro, por falência múltipla de órgãos.
Quanto a sua idade, ele
mesmo dizia que era uma incógnita. Nascido em 27 de maio de 1924, segundo sua
certidão de nascimento, mas a família diverge sobre o registro da data correta.
Millôr ficou órfão de pai um ano depois e aos dez anos perdeu a mãe. Com pouca
idade, viu sua família se separar e cada irmão tendo de ir morar com um
parente.
Então ele conta em sua
biografia: "Morto meu pai. Nessa idade a orfandade passa impressentida.
Mas a família, mãe com quatro filhos, cai de nível imediatamente". E segue: "Morta
minha mãe. Sozinho no mundo, tive a sensação da injustiça da vida e concluí que
Deus em absoluto não existia. Mas o sentimento foi de paz, que durou para
sempre, com relação à religião: a paz da descrença".
Aos 14 anos, Millôr
entrou na carreira jornalística e aos 19, na revista "O Cruzeiro",
que viu em seis anos sua tiragem subir de 11 mil para 750 mil exemplares,
tornando-se uma grande influência na formação da opinião pública no Brasil.
Em 1957, aos 33 anos,
expôs seus primeiros desenhos no Museu de Arte Moderna. Millôr também criou uma coluna que virou revista, "Pif-Paf", que é considerado o início da
imprensa alternativa no Brasil.
Foi um grande colaborador
junto ao "O Pasquim", publicação de oposição ao regime militar. O escritor
ainda traduziu várias peças de Shakespeare, tornando-se referência no meio
teatral. Colaborou como "O Globo" e "O Estado de S. Paulo",
além da revista "Veja".
Com a chegada do século
XXI, Millôr lançou seu site oficial "Millôr Online". Sem se preocupar
com a avançada idade, estava sempre “ligado” à internet, às redes sociais, e
possuía conta no Twitter com mais de 360 mil seguidores.
Agora esperamos que o
“Bom Homem” nos dê uma trégua e esqueça a lista artística por uns tempos.
Precisamos dos velhos professores para que novos nomes sejam formados e a
continuidade seja preservada.
Louvado seja Deus.
3 comentários:
Nesses dias tivemos perdas só de gente fina. Lembro bem de Ademilde Fonseca e Jorge Goulart na velha e boa Rádio Nacional do grande Vitor Costa. De Chico Anízio na Rádio Bandeirantes, alí na Rua 13 de Maio e da Revvista O Cruzeiro com os trabalhos do Millôr.
Bons tempos e muita gente boa. Hoje com a música bem mais pobre e com o humor deteriorado, qualquer um é sucesso, mas é um sucesso passageiro.
Saudade enorme do bom tempo.
Niterói
Mas que saudade dos bons tempos. Humor de verdade, jornalismo sério e irreverente e uma música para quem tem bom gosto.
Não sou saudisista e sim tenho bom gosto.
Curitiba
Quntas perdas acontecem e ninguém comenta. Agora mesmo entre as quatro perdas que você fala, só vejo na mídia falarem de três. Só você lembra o Jorge Goulart.
Ele deveria ser uma perda para ser lembrada e sentida por esse pessoal que se diz de esquerda. Mas nem lembram que um di ele foi um dos maiores injustiçados da revolução.
Mas nunca se queixou. Cidadão brasileiro e integro e não como esses que hoje estão levando vantagem com a anistia.
Brasília
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