terça-feira, 16 de agosto de 2011



“O sonho acabou”



Gerson Tavares


Lá se vão 52 anos e “graças” a um vazamento que incomodava os “nobres” deputados que caminhavam até ao plenário e que obrigou funcionários da manutenção da Câmara a procurarem a fonte de uma goteira que conseguia ser mais incômoda que os próprios deputados e aconteceu. Os “trabalhadores” resolveram quebrar parte da plataforma superior do prédio e aí veio uma grande descoberta. Ali estão gravadas mensagem de operários que ajudaram a transformar um Oeste quase que desconhecido, para que hoje o brasileiro viva o sentimento daqueles “desbravadores”.

Pois naquele espaço chamado de “caixão perdido” pelos engenheiros, foram encontradas mensagens escritas a lápis, no concreto e nas estacas, pelos “candangos” que ergueram o prédio em 1959. Uma bela “descoberta” para a história deste país sem memória. Ali estava um apelo de um “candango” que hoje pode ser um exemplo para esses políticos “safardanas” que ocupam aquela Casa. O operário José Silva Guerra deixou ali, escrito de próprio ponho aquilo que era um grande desejo para eles e que todos nós, gostaríamos que fosse atendido hoje e sempre: “Que os homens de amanhã que aqui vierem, tenham compaixão dos nossos filhos e que a lei se cumpra”.

José Guerra e muitos outros “candangos” deixaram seus pedidos ali, no vão entre duas lajes de concreto que sustentam a cúpula da Câmara, em forma de um prato virado para cima. Os funcionários encontraram mensagens deixadas pelos trabalhadores que deram uma nova vida ao Planalto Central quando para ali foram para construir Brasília, a “Nova Capital”.

Muita esperança e melancolia se misturam em seus escritos num português povão. José Guerra, um esperançoso, completou sua mensagem com uma sentença em tradução livre do latim: “Duraleques ce de Lequis”, para dizer que a lei é dura, mas é a lei (dura lex sed lex, no original em latim).

Entre muitas frases deixadas para a posteridade, nem todas estão com assinaturas legíveis. “Si todos os brazileiros focem diginos de honra e honestidade, teríamos um Brazil bem melhor!”, afirmou um dos operários na parede de concreto. “Só temos uma esperança nos brazileiros de amanhã”, sugerindo que haveria uma pontuação depois da palavra esperança. Escondido entre lajes estava também o sentimento de Nelson: “Amor palavra sublime que domina qualquer se humano”. Goiânia, escrita ao lado da data, 22-4-59, deixa clara a cidade de origem do trabalhador.
Pelas anotações feitas pela empresa que construiu o prédio do Congresso, naquele mês, José Guerra trabalhou 208 horas normais e fez 98 horas extras no mês. Contando sete dias de serviço na semana, dá uma média em torno de dez horas por dia.

Pela carga horária, o salário dele de Cr$ 4.000,00 foi incrementado. Ele recebeu Cr$ 13.314,40, em torno de dois salários mínimos, considerando dados do Dieese que registram o mínimo de Cr$ 5.900,00 na época.

“O que ganhávamos era pouco, mas dava para viver bem e guardar um dinheirinho”, recordou Claudionor Pedro dos Santos, hoje com 72 anos, que trabalhou como apontador na obra do Congresso. “Trabalhávamos dia e noite. Não tinha domingo nem feriado. O pessoal não reclamava. Existia muita solidariedade”, disse Claudionor ao retornar à Câmara para ver as mensagens deixadas em 1959.

E assim, José Silva Guerra é só um das de dezenas de operários que trabalharam na construção do prédio, mas a esperança de José era compartilhada por todos e ainda por nós que vivemos aquela época mesmo distante daquela “terra prometida”.

Mas hoje, vendo aqueles que fazem parte daquele deste Parlamento, temos a certeza que “o sonho de José acabou”.

2 comentários:

Núbia Dornelles disse...

Vejam como a História do Brasil muda rápido. Em 52 anos os sonhos de operarios viraram pesadelos. É a mutação brasileira, quando os políticos destroem os sonhos e fazem o pé de meia, e que 'pezão'.
Núbia Dornelles
Porto Alegre

Anônimo disse...

É muito triste ver que aqueles candangos deram o sangue para construir o Congresso e hoje o prédio deveria ser usado como penitenciaria.

É dose!