quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011



Uma questão de caráter





Dos desaparecidos do período militar, muitos só desapareceram porque tinham interesse no fato. E isso pode ser constatado no caso de um filho de desaparecido que hoje corre o risco de ir para a cadeia por estelionato. Segundo ele, nasceu em Petrópolis, no Rio de Janeiro, no ano de 1967 e, quando tinha apenas um ano, seu pai desapareceu. Lembra muito pouco da própria história, lembrando apenas o que a mãe lhe contou. Pouco antes de o pai sumir, passou a viajar muito. Escrevia cartas relatando envolvimento político e dizia que, por isso, corriam riscos.

Depois, já mais velho, ele descobriu a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos. Sua mãe mandou parte das cartas e, em 1996, ele entrou em contato com a comissão. Três depoimentos, registrados em cartório, de militantes que tinham atuado com o pai na organização de esquerda chamada "Grupo dos 11".

A comissão orientou como deveria proceder, a quem deveria acionar e de que forma deveria agir para tentar encontrar o pai, afinal ele não sumiu só para o filho, mas para os irmãos dele também.

O filho correu atrás para encontrar o pai e foi primeiro no Fórum de Campos, onde ele viveu e trabalhou, mas a resposta foi: "à revelia". Na Polícia Federal e na Cruz Vermelha, mas não deu resultado. E foi aí que apareceu um atestado de óbito.

Com o documento, ele foi anistiado em 1997, ainda no governo FHC. O filho recebeu R$ 100 mil, com o qual comprou uma casa para sua mãe. Para sorte do filho do desaparecido, a lei 9.140/95 não prevê, no caso de localização com vida de pessoa desaparecida, ação para o ressarcimento do pagamento já efetuado, salvo na hipótese de comprovada má-fé.

A comissão orientou a entrar na parte trabalhista, já que ele tinha 13 anos de rede ferroviária e havia abandonado o emprego no mesmo período. E Foi assim que foi descoberto que existia aposentadoria em nome do “desaparecido”. O funcionário do INSS suspeitou de fraude. O raciocínio foi: alguém deve estar usando o nome dele. Se não, o governo o teria encontrado.

Mas quando o filho foi ao interior de São Paulo, no endereço que constava da aposentadoria, lá estava o seu pai. Voltou desesperado e perguntou ao advogado o que fazer. O filho, mesmo filho de um “pilantra” que desapareceu para se dar bem, resolveu que o certo era avisar a comissão imediatamente. Fez uma carta declaratória e contando exatamente o que aconteceu.

Só que quando o filho de “desaparecido” comunicou que o pai estava vivo, começaram os problemas. O Ministério Público Federal abriu um processo de investigação por estelionato e, no processo, seu pai mentiu.

Disse que não tinha feito nenhuma militância. As três testemunhas mudaram os depoimentos e disseram que "não sabiam por que haviam dito aquilo". Agora, o filho foi condenado por ter fraudado a União.

Logo ele que procurou até a Polícia Federal. Avisou a comissão que ele estava vivo e hoje está com 95% de chance de ir para a cadeia.

E assim se explica o nefasto caso dos desaparecidos. Como este pai desalmado que prejudica um filho que foi abandonado, muitos outros “safardanas” iguais a ele também poderão ser relacionados entre os “perseguidos de 64”.

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