SAMBA ENREDO DA
BEIJA-FLOR
Gerson Tavares
“Sou negro na raça, no sangue e na cor, um guerreiro
Beija-Flor. Oh minha deusa soberana, resgata sua alma africana”. Assim começa o
samba da Beija-Flor, a escola vencedora do Carnaval carioca de 2015. E assim
seguia a Beija-Flor em seu ritmo frenético, levando pela Avenida Sapucaí muitos
sambistas e mais ainda os “sambeiros de ocasião”. “Vem na batida do tambor, voltar
na memória de um Griô, fala cansada, mãos calejadas. Ouça menino Beija-Flor, seiva
da árvore da vida, raízes na verde imensidão na crença de tribos antigas, força
incorporada nesse chão”.
Mas por que falar do samba que só falava dos negros de
além-mar? Sim, porque seria muito mais bonito e honroso falar nos negros
brasileiros que estão aqui ajudando a limpar a sujeira dos nossos políticos.
Mas só que existem mil razões financeiras para que o enredo fale daqueles que
fazem um povo tornar-se símbolo dos sofredores da cor.
E o samba da Beija-Flor seguiu levantando a Avenida Sapucaí.
“O invasor singrou o mar, partiu em busca de riquezas e encontrou nesse lugar novas
Índias, outras realezas. Destino trocado, tratado se faz, marejam os olhos dos
ancestrais. Nego canta, nego clama liberdade, sinfonia das marés saudade, um
africano rei que não perdeu a fé, era meu irmão, filho da Guiné, formosa divina
ilha testemunha dos grilhões”.
E por que não falar dos “navios negreiros” que por aqui
aportaram trazendo os negros escravos? Esses mesmos negros que no futuro foram
jogados ao Deus dará e, sem casa e sem comida, continuaram escravos da
realidade da vida.
“Eu vi a escravidão erguer nações, mas a negritude se
congraça, a chama da igualdade não se apaga. Olha a morena na roda e vem
sambar, na ginga do Balelé, cores no ar e dessa mistura faço carnaval".
E assim seguiu o samba-enredo da escola do bicho “que pega
mesmo se você correr”. E foi assim, correndo, que a direção da Beija-Flor
atravessou o mar para pegar a grana de um povo que não sabe por que pagou essa
vitória. Mas nós sabemos que essa mesma grana saiu do nosso bolso, já que uma
dívida bem maior de Guiné para com o Brasil foi recentemente perdoada pela “redentora
da corrupção”.
Mas o samba diz muito bem o que aconteceu: “Canta Guiné
Equatorial, criança, levanta a cabeça e vai embora, o mar que trouxe a dor
riqueza aflora, tem uma família agora e quem beija essa flor não chora”.
E é assim que a gente vê quem canta, ao olhar a realidade do
outro lado do Atlântico quando só o ditador e sua família estão felizes. Sim,
porque o pobre povo daquele pedaço de África não pode e nem mesmo quer levantar
a cabeça para não ver a sua criança chorar de fome.
Enquanto isso no Rio de Janeiro o folião acha que prestou
uma homenagem a um povo que sofre. Ninguém está preocupado em saber a realidade
daquele país. Será que se essa massa que sambou e agora se dia feliz pelo
campeonato se tivesse conhecimento que a Guiné Equatorial, país patrocinador do
desfile da Beija Flor deste ano, é uma ditadura sangrenta? Afinal, trata-se do
ditador africano mais longevo no exercício do poder, há cerca de 35 anos
mandando no país. Será que alguém poderia estar satisfeito com o descalabro
dessa garfada nos cofres daquele triste país?
Mas a coisa não acaba por aqui. Amanhã vamos falar mais um
pouco desse assunto assustador.
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